Emigração

De olho em solo lusitano

É crescente a movimentação de pelotenses que têm decidido tentar a vida em Portugal; a busca por segurança e oportunidades de trabalho, diante de um Brasil desigual e violento, estão entre as principais motivações

Outubro de 2017. Destino: Portugal. Era para ser uma viagem de férias, mas em duas semanas se transformou em projeto de vida. Longe da violência. Distante dos episódios que fizeram a família fechar o bar - na zona do Porto - depois de dez anos de atividades. A decisão do casal André e Ana Maria Lapuente em fazer as malas e cruzar o Atlântico para alinhar sonhos em solo lusitano não é isolada. O cônsul honorário de Portugal, em Pelotas, não possui estatísticas da movimentação, mas garante que a emigração está em alta nos últimos meses. E a busca por segurança é uma das principais motivações para deixar o país.

A luta por oportunidades de trabalho e a aposta em Educação e em qualificação profissional também despontam entre as razões para colocar as cidades portuguesas no roteiro. E, claro, tentar deixar para trás a crise econômica, que joga em torno de 14 milhões de cidadãos na lista de desempregados no Brasil. "A procura é grande. Tenho recebido ligações de moradores de toda a região", conta o cônsul José Serra. E traça paralelo com outro período de instabilidade, há uma década, quando a colônia de brasileiros em Portugal chegou a cerca de 120 mil pessoas. Hoje, são em torno de 80 mil.

A familiaridade com o idioma e a afinidade com os costumes - principalmente na gastronomia - são alguns dos principais facilitadores na hora de definir o rumo. Mas são, sem dúvida, os indicadores de segurança que têm pesado para Portugal se tornar tão convidativo - garante José Serra, com a convicção de quem ocupa o Consulado há 20 anos.

Segurança vira sinônimo de liberdade
Ainda é cedo para afirmar até quando. A cada novo passo, todavia, o ritmo é de quem desembarcou em Portugal para fincar raízes. Em outubro de 2017, André e Ana Maria Lapuente foram de férias; apenas para conhecer. Em julho de 2018, nove meses depois, a família estava completa. Agora, de mudança. Além do casal, quatro filhos, o genro e o neto passaram a dividir a rotina entre as cidades de Porto e Gaia.

E o melhor: já conseguiram financiar um imóvel, que permite fugir dos pesados preços dos aluguéis. Um apartamento de dois dormitórios mobiliado, por exemplo, custa entre 600 e 700 euros; o equivalente a valores que oscilam de R$ 2.820,00 a R$ 3.290,00 por mês. O próximo passo está definido: obter os vistos de permanência. E, para isso, firmam contratos de trabalho que garantam não só conquistar a documentação, como também observar hábitos e costumes dos portugueses. "Estamos aproveitando para abrir os olhos sobre como funciona a cultura, principalmente, no ramo da alimentação", conta André. E, logo, projeta um negócio próprio.

Em Pelotas, foram dez anos sob o comando do tradicional Bar do Zé, na Zona do Porto. Até que os episódios de violência no entorno forçaram a decisão de fechar as portas. Disputa de facções pelo tráfico de drogas. Jovens de 14 e 15 anos armados e à caça de alvos para assaltar.

"Conversamos com as autoridades para pedir medidas de controle e o que recebemos foram ações dentro do bar, como se os bandidos estivessem lá", relembra André. E admite: "Isso nos desgostou muito. Nos deixou muito chateados". O suficiente para, em uma madrugada, terem o sono rompido pela decisão de que era o momento de fechar o bar.

Iniciavam, ali, a desbravar este novo ciclo. De encantamento, por coisas tão simples. "A diferença é drástica na segurança, em Portugal", ressalta o empresário. "Ver a tranquilidade com que as pessoas andavam com suas mochilas, celulares e notebooks, sentados no banco da praça de madrugada, nos trouxe um sentimento de liberdade".

E, hoje, embora o casal pondere o tanto que poderá sentir falta da Pelotas de uma vida toda, encoraja-se pela motivação dos filhos. "Aqui, eles só enxergam oportunidades."

Entre desbravar o mundo e se qualificar
O planejamento inicial era permanecer apenas o período da qualificação: quatro anos. Três meses depois de pisarem em Lisboa, os pelotenses Marcelo Gafaña 33, e Mariana Perera, 29, já repensam: o plano não precisa estar tão fechado. Quem sabe esticam os prazos após o doutorado?

O casal foi para Portugal com objetivo claro: conquistar os títulos tão exigidos pelo mercado brasileiro. Ela, bióloga, especializa-se na área de Ambiente e Sustentabilidade, na Universidade Nova de Lisboa. Ele, jornalista, projeta doutorado em TV e Cinema. E para que os projetos se tornassem realidade, os dois últimos anos foram de economia. "Mas o nosso dinheiro aqui vira nada, com essa taxa de câmbio", resume Gafaña.

Para equilibrar as finanças, apesar das reservas, portanto, os dois foram atrás de emprego. E conseguiram. Mariana trabalha em um part time em um restaurante. Gafaña divide-se entre dois expedientes. Um em uma distribuidora de Cinema; outro na agência de Conteúdo Mundo da Lua, da também pelotense, Camilla Fernandes.
"Não é um país em que se enriquece, mas se vive muito bem, mesmo com pouco", enfatiza o jornalista. E ao colocar na balança pontos positivos e negativos - leia mais na página 11 - assegura que o quesito segurança pesa para o bem-estar. E exemplifica: ao liberar-se do serviço, nas primeiras horas da madrugada, Mariana volta para casa, sozinha, de transporte público; hipótese que seria descartada em Pelotas.

E, ao conversar com o Diário Popular, Marcelo Gafaña admite: Portugal é uma surpresa que pode segurá-los por alguns anos. Assim como ocorreu em 2012, quando foram visitar familiares de Mariana no Panamá e ficaram por 11 meses. Em 2013, marcaram mais uma cruzinha no mapa: desta vez, no Canadá, para intercâmbio.

"Viajar é viciante. Se der para ir trabalhando, estudando e vivendo os lugares, vamos nos mudando", descontrai. Mira ao lado, enxerga a Espanha e não descarta um pós-doutorado que lhes permitisse desbravar mais uma pontinha do globo.


Em meio às dificuldades surgem força e sonhos
A palavra é superação. O publicitário Matheus Corbelini, 27 anos, venceu as barreiras dos primeiros meses - que fazem grande parte dos estrangeiros retornar - e já está há três anos em solo português. Com uma convicção: não vai voltar. Depois de deixar para trás o abalo inicial, com queda de padrão social e baixa autoestima, hoje, o pelotense alinha vários projetos.

No final do mês, largará o emprego e abrirá negócio próprio. Aproveitará a experiência conquistada como funcionário da maior rede de hotéis de Portugal, a Pestana CR7, e apostará em uma empresa de concierge. Será um trabalho dirigido especialmente aos brasileiros que irão desembarcar em Lisboa, com orientações para montagem de roteiros turísticos e disponibilização de transporte. "Vamos gerar uma demanda que a gente mesmo possa atender. É um serviço que começa a ser prestado ao turista ainda antes da viagem e extremamente valorizado por aqui", ressalta.

Na vida pessoal, o momento também é de projetos. Em fevereiro, Matheus e a namorada Victória, 24, vão morar oficialmente juntos, em novo apartamento. "Hoje tenho uma sensação muito boa, de ter conseguido construir a vida." E, nesse processo de reorganização de sonhos, o publicitário abriu espaço para descobertas. Novos prazeres, antes distantes. Atualmente, quando sobra tempo, dedica-se à música eletrônica, como DJ.

"Isso é o que tem de bonito. Deixar que as novidades, as possibilidades entrem na tua vida", reforça. Daquele choque inicial entre a alta expectativa e a realidade encontrada, primeiro veio a frustração. A turma de mestrado em Empreendedorismo e Inovação Tecnológica , na pequena cidade de Covilhã, não abriu.

Desmoronava a base em que se desenrolariam todas as outras ideias. Era hora de se reinventar. Encarar. E foi o que Matheus fez, aos poucos.

Hoje, também conta com o apoio da irmã Rafaela Corbelini, 24, que há dois anos também escolheu Lisboa para viver. É um processo de felicidades e tristezas. Como a vida. Aqui, em Pelotas, no Brasil. Ou lá, em Portugal, na Europa. "É importante não esperar uma máquina rodando a pleno vapor, com sol e idioma português", ensina. Mas assegura: entre belezas e simplicidades, descobriu um país maravilhoso. E o melhor: descobriu-se um cidadão forte. Pronto a desafios.


- A percepção de pelotenses que estão por lá 

* Pontos favoráveis
- Segurança: Portugal está entre os cinco países mais seguros do mundo. Foi o que revelou, em junho, o Instituto de Economia e Paz, ao publicar o Índice de Paz Global. O ranking entre 163 países analisa 23 fatores, que incluem taxa de homicídios e mortes por conflitos internos. Nas ruas, quando não temem assaltos, comprovam o que virou relatório.

- O abismo social existente no Brasil não se repete em solo português; o que se reflete, claro, em índices de violência bem mais controlados.

- Saúde e educação. Os serviços, inclusive os públicos, funcionam. É a visão inicial de quem está por lá.

- Mais facilidade para obter o visto de permanência, se comparado a outros países da Europa.

* Pontos desfavoráveis
- Desvalorização do real. Um grande esforço para juntar economias no Brasil é engolido, rapidamente, devido ao câmbio. Para colocar na mão um único euro é preciso desembolsar R$ 4,70.

- Preço dos aluguéis. Imóveis de dois dormitórios, mobiliados, custam em média entre 600 e 700 euros por mês. O jeito, em muitos casos, é dividir as despesas com outras pessoas.

- Exploração da mão de obra. Não raro, trabalhadores atuam sem contrato nem qualquer tipo de fiscalização. A situação se repete tanto com estrangeiros quanto com os próprios portugueses.

- Preocupação com os idosos. Alguns, mesmo com idade avançada, também permanecem no mercado para complementar a renda.

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